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domingo, 1 de novembro de 2015

O começo de tudo...

Toda história se inicia em algum lugar. A minha vai começar no começo da história de ser mãe, até porque era algo que eu sempre quis, mas que definitivamente não estava programado pra acontecer agora.
Tudo começa com o acaso. Um cara que eu estava saindo. Como outros tantos que eu conheci na internet. Veja bem, eu saio com caras que conheci na internet deve fazer quase uns dez anos, os caras que conheci na vida geralmente não renderam nada e não sou muito de sair pra pegação. Alias, nunca fui o modelo dos caras na night, então na internet eu conheci muitos. Ele foi só mais um. Saímos, bom papo apesar do corpo gigante do cara (é preconceito, sei, mas até que mesmo apesar das palavras pronunciadas erradas, ele de fato era um entendido de sua área com aspirações policias). Depois de muitas horas de papo, ele me beija, encaixou, foi bom. Ficamos nesse agarro por um bom tempo, fomos pro meu carro pra ficarmos confortáveis. Ficamos de agarro e papo até quase de manhã. Fui pra casa pensativa, tinha sido legal e interessante. No outro dia, queria me ver de novo. Fomos para o  CCBB, noite de meditação da lua cheia, chegamos atrasados, mas ficamos em um momento muito gostoso e intimo deitados e conversando na canga que levei, conversando e trocando ideias e experiências. No outro dia um convite pra ir pra casa dele, ele mora só. Fui, ficamos de agarro e enfim sexo. Acabou o fim de semana e durante a semana toda ficamos de papo, cheio de nomes carinhosos. No outro fim de semana, combinamos de nos ver sexta mas ele cansado e eu também, resolvemos dormir e se ver no outro dia. No outro dia, combinamos de eu ir dormir lá, mas tinha uma maquiagem para fazer, combinei de ir depois. Liguei, mandei zap, liguei de novo. Nada. Liguei de novo. Nada. Depois de muito tentar, resolvi ir pra casa. No outro dia cobrei explicações e um simples "ah eu dormi". Discutimos e pelo jeito, ele não tinha argumentos. Ora, o combinado não simplesmente se desfaz assim, se o começo tá assim a promessa é de piorar. Deixei quieto. No outro dia, nem sinal dele. Durante a semana também não. Na outra sexta lembrei de ter esquecido minha garrafa de água da Camelback lá, liguei e fui buscar. Ele ficou de papinho, tentou contornar, ficou de agarro. Transamos, mas sai de lá com a séria decisão de deletar e não voltar mais. Até ai nenhuma novidade, todas passamos por isso.
Passaram-se duas semanas. Era Domingo. Fiz Yoga de manhã com uma amiga, fui malhar. Durante a minha gostosa corrida na esteira, percebi os seios mais sensíveis que o normal e uma leve pontada na parte baixa do abdômen. Comprei um exame de gravidez. Duas faixas, uma mais clara. Apenas quatro dias de atraso da menstruação. Minha amiga queria pirar dizendo coisas como "não, tá errado", compramos mais dois de marcas diferentes. Fui no banheiro do supermercado embaixo da farmácia. O segundo era o digital que dava até as semanas. O outro dei duas faixas. O digital ligou assim que mergulhei na urina. Aparece um ampulheta. O visor digital então anuncia o resultado "grávida, 2-3 semanas".
Por um minuto sentei no meio fio da rua, enquanto minha amiga me encarava sem saber muito como reagir. Meu mundo caiu, eu não conseguia chorar, eu só me sentia perdida, como se eu estivesse sendo surpreendida pela mensagem mais desnorteante que uma mulher solteira aos 28 anos sem sequer um relacionamento duradouro nas costas pode receber. Eu nunca me senti tão perdida. Peguei o celular e liguei pra ele:
-Alô?
-Quem é?
-É a Luciana.
-Que Luciana?
-Eu, a bailarina.
-Ah, o que você quer?
-Onde você está?
-Bebendo com uns amigos.
-Eu preciso falar com você.
-Tu... tu... tu...
Desligou. Nem sequer sabia quem eu era, devia ter deletado meu celular. Já tava prevendo mais problema. Entrei no zap, ele estava online
-Não queria contar assim, mas você não me dá opção. Acabei de fazer três testes de farmácia, tou gravida, tem mais de dois meses que eu não transo, você foi o último.
-Merda. Tem certeza?
-Tenho, tou atrasada quatro dias.
-Passo já já ai na sua casa.
Fomos eu e minha amiga pra minha casa e por sorte não encontrei ninguém, todo mundo dormindo. Ficamos eu e minha amiga no meu quarto, eu falando mil bobagens tentando me acalmar, imaginando as possibilidades que podiam advir disso. Mandei mil mensagens, ele só apareceu sete de noite, eu tinha ligado era uma da tarde. Decidi falar com ele lá fora, pedi a presença da minha amiga, eu nunca me senti tão frágil e com medo na vida, logo eu.
-Oi olhos bonitos.
-Bom, vamos ao que interessa, eu tou grávida, eu não queria isso. Não sei o que fazer.
-Bom, nós não temos um relacionamento, eu não quero um filho, vou arrumar os comprimidos pra você tirar.
-Ok.
Nessas horas não há muito o que se pensar ou fazer, alguém oferece um meio pra te tirar disso, você só abraça. Ele tinha me contado que bem quando ele entrou na faculdade, ele tinha engravidado a namorada, a criança nasceu mas só viveu 60 dias, morreu de problemas cardíacos. Tinha me dito que ele tinha sido muito grosso com ela. Nem imaginava que ele ia repetir a forma de agir.
-Eu tenho uns contatos, vou conseguir os comprimidos, uns amigos meus fizeram tem pouco tempo, são quatro comprimidos, ok?!
Um abraço, foi embora.
Eu me enfurnei na internet li tudo que seria possível nos próximos quatro dias sobre aborto. Sites, documento da OMS. Português e inglês. Exclui os sites religiosos. Li o que era cientifico e os relatos. Tudo me tranquilizava, as poucas semanas facilitariam o processo. Combinei tudo com ele e minha amiga, iria pra casa dela, ele iria pra lá. Dormiria lá, o processo duraria umas 12 horas. Racionalmente tudo parecia razoável e plausível. Mas emocionalmente, espiritualmente, eu estava confusa. Segunda pela manhã, faço exame particular de sangue de beta hCG. Positivo para três semanas. Pedi sessão com o meu terapeuta. Ele me deu o alivio que eu precisava naquele momento. Mensagens do pai perguntando de estava tudo bem e tudo certo pra tirar. Confirmei.
Terça me pediu pra ir buscar com ele, eu falei que não (Elisa Samúdio mandou alou né, vou pra sei lá onde buscar isso e acabo comida por cachorros? Não, obrigada). Ele que buscasse. O tempo inteiro, eu pensando nisso, eu tentando entender isso tudo. Eu fiquei seriamente confusa. Quarta. Ele confirma de novo, eu digo que ok. Mas ai que eu comecei a pensar muito sobre o lado espiritual disso. Sou budista, fiquei pensando no Karma que eu estaria produzindo. Pensei na casualidade do universo, transei tantas vezes com namorados sem camisinha, porque agora? Fui sentindo que a sensação de confusão vinha daí, meu racional entendia mas meu espiritual e emocional não. Muita reflexão sem conclusão. Quinta. Ele me liga:
-Tudo ok né? Passo na tua casa pra deixar os comprimidos com você.
-Você me entrega e eu vou tomar minha decisão.
-Como assim decisão?
-Meu corpo, eu que decido ué, eu te disse que sua opinião conta mas não decide. Eu decido.
-Você tá querendo me fuder? Tá me achando com cara de palhaço? Quer fuder a minha vida?
-Colega, você acha que só você tá fodido? Eu tou fodida do mesmo jeito. Só que eu que tenho que decidir, essa criança tá na minha barriga, então eu que decido.
Dai a discussão foi piorando. Disse muitas vezes que eu não tava decidida e que o que ele me dizia só me impelia a proteger essa gravidez. Ameaças. De não ajudar financeiramente, de não aparecer. Coisas que os homens acham que pesam, como se nenhuma mulher no mundo tivesse filhos sozinha né? E foi assim pelo dia todo, um assédio moral sem fim, áudios no zap dizendo "tira o problema" e daí pra pior. O dia todo se seguiu assim. Fui pro terapeuta, ele me ajudou a ver que nisso tudo eu tava de alguma forma decidida a ter essa criança, se não, não estaria discutindo com o pai desse jeito. Mas ele afirmou várias vezes que a decisão que eu tomasse, ele apoiaria. As ligações e mensagens com conteúdo pesado continuaram. Foi um desgaste tão grande, tão intenso que ele pediu pra vir me ver e eu disse que não. Bela discurso animador ele me faz né de "tu vai me fuder" depois quer me encontrar? Sei lá se ele ia me bater!! Deitei e apaguei. Sonhei com alguém que anunciava que uma chapeuzinho vermelho estava a caminho. Sei lá o que significa (ainda não sei o sexo então não sei interpretar).
Sexta acordei, todo mundo foi trabalhar, é o dia que eu trabalho mais tarde. Todo mundo menos mamãe. Ensaiei, entrei e sai do quarto dela umas cinco vezes. Enfim, sentei e contei. Quer dizer, tentei falar:
-Mãe, quero falar com você.
-Peraí que eu tou digitando uma mensagem.
Espero. Os segundos mais excruciantes da vida, coração batia forte no pescoço, parecia querer saltar pela boca.
-Tá, me conta.
-Eu não sei como contar.
-Você tá gravida?
-Tou.
-É, tem semanas que eu tenho sonhado com criança, mas como a minha colega de trabalho ficou grávida achei que era ela. Que bom filha, filho é benção. Não queria que você tirasse.
Daí, contei tudo, a tortura psicológica que ele me fez, tudo desde o começo.
-Ok, agora vá trabalhar que eu vou pensar nisso.
Fui trabalhar sentindo um alívio imenso. Ela me disse que ia chamar meu pai pra almoçar fora pra contar. Mas nesse meio contou pra todo mundo de casa, pra empregada, pros meus tios que estavam ficando aqui por causa de uma reforma na casa deles. Quando cheguei pra almoçar minha tia me deu um abraço com gritinhos esfuziantes de parabéns. Parabéns? Parabéns por que? Ai me bateu que apesar de tudo isso, desse processo todo imenso e doloroso, que uma criança ia vir, que era uma coisa boa. Eu sempre quis um filho, podia não ser do jeito que imaginava mas aconteceu. Era algo que eu queria. Talvez não agora, mas não existe momento perfeito. As coisas acontecem quando devem acontecer, foi assim com tudo na minha vida. Com o ballet. Com o meu emagrecimento. As grandes coisas que eu fiz e encontrei aconteceram quando tiveram que acontecer, por que agora seria diferente?
Mamãe contou pro papai, ele nem dormiu a noite. Logo ele que vivia dizendo que não ia ser avô, que eu não ia casar. E eu sempre disse que podia não casar, mas que filho eu ia ter. Aconteceu né?
Ela também pediu o telefone do cara. Ligou pra ele, pediu pra ele não me procurar mais, que eu precisava de tranquilidade, de paz. Ele teve a coragem de dizer que foi uma aventura, que eu conhecia meu corpo (oi, o que isso significa? Que uma mulher escolhe engravidar?) e que não tinha sentimento nenhum nem por mim, nem pela criança. Mamãe apenas disse que eu tinha estrutura familiar, financeira e espiritual e que não precisava dele. E que se ele quisesse qualquer contato, que procurasse ela. Foi o maior alivio no meio disso tudo. Eu precisava de fato de paz.

Foi assim, um começo confuso. É a única palavra que consigo usar no meio disso tudo. Eu não imaginava que a gravidez fosse essa transformação tão intensa. Eu choro,  muito fácil. Escrever isso me custou uns bons mLs de lágrimas. E de uma maneira tão dolorida, não é apenas emoção, é como se tudo pudesse mover as emoções mais fortes. Assim também fico irritada, quase histérica com algumas coisas.
Infelizmente, meu lado pisciana gostaria que o começo estivesse ligado em alguma história de amor, que o filho fosse o fruto de o amor entre dois. Mas mesmo sendo tão romântica, o romance só foi o meu forte em livros, nunca na vida real. Acho que é fruto do amor de um, um que desejou, e sonhou e quis muito ter um filho na vida. Foi sempre um dos sonhos mais fortes durante a minha vida inteira. Eu quis tanto que a vida deu um jeito de me dar. E eu só posso agradecer, só posso aceitar esse presente e saber que é sim um presente. Inesperado, mas nem por isso as surpresas são menos valorosas por isso. Minha tia me disse que no espiritismo, o espirito da criança escolhe a mãe. Eu achei isso a coisa mais bonita que uma mãe solteira pode ouvir. Essa criança me escolheu não só pra que eu seja mãe dela, mas que eu seja o pai, a família, o amor. Ela não escolheu uma família de dois, ela me escolheu pra ser a família de um. E isso só pode ser uma benção imensa.
Eu acredito de forma muito forte que eu tenho essa visão, mas que a decisão de manter ou não uma gravidez tem que ser da mãe. É dela o ônus todo. Os problemas, as noites sem dormir, as idas em hospital. Tem que ser dela a decisão. E se ela decide em tirar, acho que é justo e certo. Ninguém deveria julgar. Porque não se pode decidir pela vida de outra pessoa. Só ela sabe. E é o corpo dela. A vida dela. Acredite, o corpo muda por inteiro. Tudo muda, a cabeça da gente muda. E é uma puta responsabilidade. Não é só botar no mundo, é criar, é ensinar, é dar valores, é tanta coisa. E se ela não quiser, eu acho que ninguém mais que ela pode decidir isso. Li muitos relatos, gente dando força pra quem quisesse tirar. Achei bonito. Porque qualquer decisão que se escolha, seja manter ou tirar, tem um ônus. E é um ônus que só a mulher vive. Não é o corpo do pai da criança que sofre e que vai sofrer com qualquer escolha. Ele pode até sofrer como acho que sofre de fato, mas muitos pais mais fizeram seu aborto, sumiram. É assim que mil crianças pais afora foram abortados pelos pais, homens que decidiram sumir. Tão mais fácil e indolor, esse tipo de aborto é permitido e feito todos os dias. Mas o aborto de uma mulher é um ato criminoso, muitas morrem em clinicas, outras sofrem com hemorragias. Para a mulher, o aborto é um ato físico. Deveria ser uma decisão só dela e permitida. E mesmo que se mudem leis, como a que o Eduardo Cunha propõe, clinicas clandestinas e o mercado ilegal de drogas abortivas vão continuar funcionando. Só vão ficar mais caros. Quem vai sofrer mais é a mulher pobre.

Cá estou eu, 10 semanas e 4 dias. Em frente desse pc vomitando esse tanto de coisa que eu desejo colocar aqui pra aliviar a mente, regurgitar esse tanto de sentimento. Porque eu acho que se tornar mãe é um processo biológico que resulta em um processo psicológico. O corpo vai mudando, de repente dá pra sentir uma lombada no pé da barriga, de repente tem uma fome e uma azia. Banheiro nem se fala, nunca fiz tanto xixi na vida. E ai você começa a processar que tem essa vida aqui dentro, dividindo tudo que eu como, experimentando tudo que eu sinto. Tem essa simbiose, esse compartilhamento. De repente eu me sinto esse ser que está cansada boa parte do tempo com bem menos atividades que eu fazia antes, porque estou criando cérebro, fígado, rins, um corpo todo novo e cheio de processos que eu cansei de estudar na faculdade de biologia. De repente eu me sinto um ser meio divino que tem essa capacidade mágica de criar uma outra vida. De repente você entende que ser mãe é um sentimento, é uma escolha, é um novo caminho.
Com certeza, ser mãe é um novo começo.

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