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sábado, 27 de fevereiro de 2016

27 semanas e 29 anos

Oi meu filho. Decidi que hoje vou escrever para você, para que talvez daqui uns 16 anos você possa ler.
Anteontem foi meu aniversário, no dia anterior completamos 27 semanas de gestação. E no dia seguinte eu completei 29 anos. Eu deixei de gostar de aniversários, faz alguns anos. Sempre são um dia que eu esperava mais, acaba sendo um dia normal, até meio sem graça. Acho que talvez tenham acontecido coisas perto do meu aniversário, faz alguns anos, que tirou a graça. Um primo que eu gostava morreu, sua bisavó, a minha avó no caso, foi internada novamente no dia seguinte do meu aniversário, e ela de longe foi uma das mulheres mais importantes da minha vida. Quem me ensinou tanta coisa. Ainda hoje, dez anos depois da morte dela, eu ainda choro de saudade. A única saudade que eu carrego. Perdi outras pessoas, mas ninguém me fez tanta falta.
Queria na verdade te contar um pouco de como as coisas estão por aqui nessa altura do campeonato, ou melhor, da gestação. Sua avó e seu avô estão em plena crise de casamento, não sei de fato como isso se vai resolver mas torço para que o seu avô acorde e retome as coisas. Seu avô é difícil, em muitas vezes eu briguei com ele porque somos parecidos, mas no fundo eu amo ele muito. Muito mesmo. Porque da maneira defeituosa dele, do jeito torto dele, ele me amou também. Talvez ele nunca tenha me elogiado verdadeiramente, talvez ele nunca tenha sido o pai carinhoso que eu quis que ele fosse, e em muitas vezes ele me cobrou que eu fosse como ele e seguisse os passos dele. Mas ele me ensinou a ser correta, a ser justa, a ajudar as pessoas, a cuidar dos seus. O problema dele é que ele liga demais para o dinheiro, usa isso como moeda de troca, como controle. Quando ele está feliz ele dá dinheiro, quando quer demonstrar que está feliz comigo, me dá coisas. Mas eu entendo ele, o pai dele foi assim, um mero provedor. O que deixa sua avó fula é que ele consegue ser mais que isso com a irmã dele e com os filhos dela. Lá ele é um pai compreensivo, que conversa, que não esbraveja. Mas talvez porque ele só tenha que ser pai lá de vez em quando, aqui ele tem que ser sempre. E venhamos e convenhamos, sua avó também não é flor que se cheire, tem suas problemáticas, dá enfoque demais ao trabalho.
E ainda tem a problemática do seu tio, o Dudu. Ele foi pra São Paulo, seus avós sustentaram ele quase um ano, e ele nem trabalhou, e voltou uma pessoa bem pior do que ele era. Mais egoísta, com um discurso ecológico lindo, até parou de comer carne, mas é incapaz de se importar com a própria família. Isso me incomoda muito, porque eu sou o oposto dele em muitas formas.
Bem, veja o clima como está, uma verdadeira bosta. E ainda tem o meu avô, o seu bisa, que mora aqui com a gente, e temos que cuidar dele. Ajudo muito sua avó, sempre foi assim.
E sabe, a única coisa que me deu sentido no meio disso tudo, que mudou os rumos, essa coisa é você. Tento lidar com todos esses problemas, ah, sim, sua avó também tem um medo crônico do parto. Pra ela nascer é cortar a barriga e rancar a criança de lá. E isso é a ultima coisa que eu quero pra você. Hoje brigamos por isso. E eu entendi que não tem pra onde correr, vamos ser eu e você. Estou contando que vou fazer a minha parte e que você vai fazer a sua.
Eu não planejei você, não exatamente, você aconteceu. Mas a ideia de ser mãe já era algo que existia em mim. Muitas mulheres hoje tem lutado por um mundo mais justo, pra entender como a sociedade tem  nos criado e educado submissas. Mas de fato, eu tenho essa personalidade. Não é à toa que sou professora. Tenho no meu instinto essa coisa de educar e criar. E muito antes de ser professora eu sonhava em ser mãe.
Eu sempre sonhei em casar, ter filhos, fazer esse pack que as pessoas querem, mas eu nunca acreditei que ia fazer isso. Acho que sempre tive em mim que as coisas iam ser diferentes. E de fato são.
Eu queria ter podido ter um pai legal pra te apresentar. O seu pai não é. Mas também não cabe só a mim achar que eu que te dou um pai. Ele teve a opção dele. E vai arcar com isso. Vai perder as partes legais, essas eu me reservo. As difíceis também, tenho uma ideia mesmo que não tão real, do tamanho do desafio que nos aguarda. Eu vou ter que ser os dois, e eu espero que eu acerte mesmo errando.
Acho que eu só quero ser uma boa mãe pra você e deixar você cumprir o seu potencial, de muitas formas eu encontrei muitas coisas que me fizeram feliz, e gostaria que você fizesse o mesmo. Claro que eu ainda não fiz muitas coisas, eu gostaria de viver um relacionamento legal e duradouro, isso eu não fiz, gostaria de te dar um irmão ou irmã e de fato planejo isso, mas nem sempre os planos são possíveis.
Vamos morar com os seus avós e isso vai ser legal porque você vai ter avós maravilhosos, sei que eles vão amar e cuidar de você tanto quanto eu, sua avó vai se realizar muito e acho que você vai dar um novo sentido pra vida do seu avô. Talvez até mexa um pouco com o seu tio.
De fato tenho me sentido muito sortuda, ganhei quase tudo que é preciso pra sua chegada, mas de fato eu não acho que o dinheiro faça essa diferença toda, eu quero acima de tudo estar presente, sermos juntos, sermos mãe e filho, amigos e companheiros. E quando chegar sua hora de seguir o seu caminho, eu espero que você o siga sem medos, porque o que nunca me faltou foi coragem. Eu sempre fui muito corajosa, sempre meti a cara em tudo que fiz, sempre dei o meu melhor e mudei meu rumo muitas vezes e espero agora poder seguir um rumo melhor pra nós dóis.
Você foi o meu melhor presente, você vai ser a melhor surpresa e o meu maior desafio, mas eu vou fazer o meu melhor, vou sempre te dar o meu melhor, espero que você me perdoe quando meu gênio pesar, quando meu cansaço não permitir que eu seja tão boa, mas eu te prometo que vou sempre lembrar que eu não te escolhi, mas você me escolheu e por isso eu vou escolher você sempre. Da mãe que ainda está por se tornar, mas que já ama você.

domingo, 31 de janeiro de 2016

A alegria e a paz predominante das 23 semanas...

Ah, como é gostoso sair da loucura do primeiro trimestre! Aconteceu tanta coisa, e eu honestamente não tive muita vontade de escrever. talvez porque conforme o corpo vai se acostumando com os hormônios, a loucura dos primeiros meses vai sendo deixada pra trás e vai tomando conta uma paz e alegria. Uma paz inabalável tomou conta de mim ao ver meu filhote (agora confirmado que é menino como eu sempre intuí) e todas as suas medidas e a médica ultrassonografista dizendo que estava tudo certo com ele. É uma sensação indescritível de paz, uma segurança de que o mundo está no lugar dele. E que estamos aqui, eu e o meu Guilherme Henrique, ambos bem. E quantos chutes e socos! Agora tudo o que ele faz além da fome que ele vêm me dado esse tempo, é essa sensação contínua de que "ei mãe, estou aqui".
Por volta de Novembro o pai dele apareceu. Voluntariamente disse que queria participar, que queria estar por perto e contribuir. Por mais que por dentro eu não quisesse a presença desse sujeito perto de mim ou do meu precioso tesouro, eu achei que ele tinha direito, afinal ele também se assustou com tudo isso tanto quanto eu. Disse que queria ir na próxima ultra, concordei. E marquei inclusive pra ficar melhor pra ele ir, e apesar das falas dele que me tiram do sério, fiz o meu melhor pra não ser grossa e suportar o direito da presença dele já que ele estava voluntariamente querendo se aproximar. Mas eis, que no sábado à noite, quando eu quis relembrar da ultra na segunda, veio num papo estranho de eu dormir la, dele vir me buscar pra cozinhar pra ele. Tipo: Oi? Tá bêbado? Como assim a pessoa desaparece da minha vida, me deixa grávida, alguém que eu mal fiquei duas semanas, e aparece com essa história? Tá achando o que? Só pode estar doido! Mas ao invés de ficar agredindo (o que na hora foi a minha maior vontade), eu simplesmente disse que não havia sentido na proposta e que eu só queria saber se ele iria na ultrassonografia. Ah, mas ai foi um festival de agressões verbais e coisas que eu sequer quero repetir, e o mais lindo foi que escreveu essas merdas todas! Olha que lindo! Agora eu tenho provas judiciais pra ele nunca sequer chegar perto da gente, nada de guarda compartilhada e nem visitas (se ele requerer, vou requerer supervisão). Esse babaca escreveu um tanto de merda e eu do lado da minha amiga advogada me instruindo o que não dizer, e ele simplesmente dizendo coisas absurdas do tipo "você tem sorte que eu não sou bandido, porque se eu fosse você se daria mal". Até ameaça ele fez! E ali na minha paz, sabendo que se ele não quer participar, não precisa! Eu não quero alguém aqui em cima me dando trabalho além do meu filho!
Mas chega disso, chega de falar de coisa ruim, vamos falar do que é bom. Cuidando de nós dois, exames dando mais que certo, tudo indicando que minha preces estão só nos protegendo, que estamos bem e já sonho com o parto lindo. E é tudo o que eu tenho visto e lido, sobre o meu parto, o meu parto como mãe, o parto do meu filho como o grande amor da minha vida!
De fato, quando passamos dos três meses é o paraíso!!

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Madrugada a dentro e nem nasceu ainda...

Meu sono bagunçou um bocado até agora. 14 semanas. Tem dias que eu sinto um sono infinito e todo o meu tempo livre eu acabo dedicando à arte sagrada de dormir. Tem dias que ele simplesmente some. Geralmente quando fico pensando coisas demais.
E cá estou eu, as quase quatro da manhã. Quem sabe essa história de ficar de madrugada com o bebê não seja tão monstruoso quanto dizem. Afinal, eu sou uma criatura meio noturna.
Mas o que eu queria escrever hoje é diferente. Sobre o post anterior, sim eu procurei o tal cara, estamos conversando. Ele ficou mto chocado com a minha gravidez, eu fiquei bastante de saber que ele voltou com a ex, que não sente muita coisa por ela e está planejando casar com ela.
O mundo está bizarro mesmo.
Voltando, o que eu queria dividir hoje é algo mais profundo e menos pessoal. É algo que afeta várias gestantes na mesma situação que eu: o constrangimento social e silencioso que sofremos ao nos tornarmos mães solteiras.
Juro, se as pessoas soubessem metade do que rola na minha cabeça, elas não falariam muita coisa. O medo que bate, estou passando por isso sozinha e depois que o bebê chegar tudo o que ele tem sou eu. Bate medo de aguentar essa barra sozinha. Meu pai já se manifestou mais de uma vez de que na cabeça dele o que eu fiz foi errado, que eu deveria ter casado. E Deus, eu queria muito estar casada, fazer o que todo mundo acha que se tem que fazer. E eu fico muito chateada de o pai do meu filho sequer me procurar, sequer querer saber. Tudo o que o meu filho vai ter sou eu, pai e mãe, o acalento e o limite, o carinho, o ensino, tudo vai ser eu. E bate solidão. Bate solidão de um jeito muito diferente. Diferente de tudo que eu já senti porque boa parte disso é aprofundada pelos hormônios que fazem com que tudo seja mais intenso. Os dias que eu me sinto gorda, os dias que eu me sinto sozinha, tudo é de uma intensidade maior. E mesmo que as pessoas perguntam, é simplesmente difícil dividir as coisas que eu fico pensando na madrugada. Eu vejo os vídeos das pessoas contando pros pais que ficou grávida e é lindo, mas sempre são casais. Os videos de mulher dando a luz, sempre tem o marido, namorado. O que será que eu fiz pra ter recebido essa tarefa desse jeito? De não ter ninguém pra colocar a mão na minha barriga e sentir o coração do bebê batendo como eu faço todo dia? E ai vem uma enxurrada de coisas pior que a lama que bateu em Mariana (sim grávida tem uma coisa de exagerar), que eu nunca tive um relacionamento de verdade. Nunca comemorei um ano de namoro. Nunca tive um namorado pra planejar e sonhar com o casamento. Pra fazer surpresa. Como mesmo eu poderia me casar? Será que isso vai acontecer na minha vida? Se antes que eu era solteira já era difícil, com um filhote dá uma sensação de que a vida vai parar aqui. Dá um medo de que seja só eu e ele daqui pra frente. Bom, eu planejo ao menos em um futuro distante arrumar outro filho. Ai pronto, fiz minha família. Porque a família tradicional que eu conheci eu simplesmente não consigo acreditar que eu vou ter. E bate a todo momento a sensação de que isso é culpa minha de algum jeito. Culpa que eu vou carregar de não ter podido dar um pai legal pro meu filho. Culpa de não ter podido dar pros meus pais a alegria de seguir o modelo de família deles. Dá até medo do tamanho que essa criança vai ter na minha vida. Porque ela vai se tornar meu tudo, e eu vou acabar sufocando.
Enfim, eu vejo vídeos, fotos das mulheres curtindo a gravidez, sorrindo, achando lindo. E eu não sinto isso. Eu sinto é medo, é um corpo que está mudando e eu não sei se vai voltar, e pior, que eu acho que não vai ficar mto atraente (sinto dia após dia a vida sexual dando um tchauzinho bem lento). Sinto essa criança que eu sempre pensei que queria ter e agora ela é um problema pro mundo porque eu não tive ela do jeito que a sociedade diz que eu tenho que fazer. E na boa, é muito triste ter um filho que não seja fruto de uma relação amorosa.
E o medo maior que tem sido constante nesses dias é o de que eu honestamente não consiga ter alguém depois disso. Vão ser uns longos anos só eu e o bebê, e eu acho que de fato vou curtir muito a coisa toda de ser mãe, de ser dedicar, de passar noite em claro, de cuidar. Eu sempre quis fazer isso por alguém, de ser a companheira, a pessoa que faz. Só não imaginava que seria do meu bebê, achei que primeiro seria de alguém.
Ah, e a cereja do bolo dessa semana: surto de microencefalia no país com foco no nordeste. Férias em Aracaju com a família já eras. A família vai, eu vou ficar. O que eu acho que vai ser um ótimo jeito de encarar toda essa coisa da gravidez sozinha. As reportagens dizem que está ligado ao vírus Zika transmitido pelo mosquito Aedes Aegypti, que eh tipo o mosquito comum. Minha mãe comprou seis potes de repelente. E isso também bate insegurança, ter um bebê doente.

No fim de tudo o que sei é que eu preciso acreditar. Acreditar que esse bebê veio pra mim, veio de presente, veio pra mudar a minha vida e veio porque é uma coisa que eu sempre quis. E não vai ser fácil, que meus planos não só mudaram como foram deletados. Agora meu plano é ele. Eu e ele. E eu preciso acreditar que minha vida não acabou por mais difícil que isso seja, que vai mudar tudo, que a vida vai seguir o seu caminho. E tava no meu caminho ser mãe. E solteira. E mais ainda preciso acreditar que lá na frente vou sentir muito orgulho de mim por ter seguido com tudo isso sozinha. Que existe uma força maior em mim que quer construir as coisas a meus jeito. Que vai criar essa criança como uma ser humano bom, que acredita na vida, que vai ser feliz. E eu vou ser feliz sendo mãe. Nisso eu acredito.

domingo, 15 de novembro de 2015

E tem aquele que a gente pensa...

Não vou negar, da mesma forma como pai do meu filho disse não nutrir sentimentos por mim, eu também não nutro sentimentos por ele. Não tivemos tempo. Em pouco tempo ele já se mostrou um machista, babaca, cabeça oca (e outros xingamentos que sempre rolam quando penso nele). Mas tudo isso eu sinto não porque ele me deixou grávida e abortou (ora, homem também aborta), mas por conta das atitudes dele no fim do nosso tão curto relacionamento.
Mas tem alguém que eu me pego pensando, e não nego que eu venho pensado bem mais depois de estar grávida. Acho que toda mãe solteira fica pensando em como teria sido se ela tivesse engravidado de outra pessoa. De outro cara que ela teve sentimento, de outro cara que ela achava mais bonito.
Tive algumas pessoas na minha vida, juro que teria amado se esse filho fosse do cara que eu sai antes, ele era loiro, meio ruivo, olhos azuis, meio viking. Eu tenho traços europeus também, teria saído uma criança linda digna da propaganda da Bélgica. Mas também podia ter sido filho de um cara que eu tive lá no passado, bem negro e forte, eu sempre tive uma queda por homem de tez mais escura, a criança ia sair tão linda! Mas essas pessoas eu só pensei foi mais pelos genes mesmo.
Na minha cabeça, as crianças deveriam ser filhos do amor, do afeto que une duas pessoas, mesmo que esse afeto não chegue a durar. Filhos do acaso não soa bonito. E até hoje na minha vida, só tive duas pessoas que eu amei, o primeiro foi o primeiro amor, aquele que tem cara de cinema, de cenas inesquecíveis, de abraços nus à luz do luar. Desse eu não tenho saudade, eu era outra pessoa, ele também. Quando a gente se encontra sempre fica um climão, sinto que bate coisas inexplicáveis na gente mas faz parte de um passado tão distante, onde a inocência da gente nutria toda a imaginação que a gente podia ter. Nunca foi possível, era etéreo, guardo com carinho, só isso.
O outro, aquele por quem tive sim um sentimento desmedido, imenso, intenso e gigante, esse sim, esse que vem morado nos meus pensamentos esses dias todos. Foi um caso complicado (que caso não é), vivemos duas semanas de paraíso juntos, aos poucos a gente foi se conhecendo e reconhecendo uma conexão mais que estranha, uma forte familiaridade, uma capacidade que ele tinha e até hoje só ele teve, de me deixar sem graça e corar. Mexeu muito comigo. Foi um amor que floresceu aos poucos, tudo seguiu um curso muito devagar, no seu tempo. Sequer nos beijamos no primeiro encontro. Mas ai do nada, ele travou, ele não conseguia seguir e ao mesmo tempo não me deixava ir. Ficamos nesse estica e puxa um ano e meio. Tentamos ser amigos, mas quando ele do nada me beijou, o mundo parou exatamente do mesmo modo como o mundo tinha parado da primeira vez que nos beijamos. Minha cabeça apagou, meu corpo pegou fogo. Mas ele não conseguia, tinha seus traumas, seus problemas. E aos poucos ele deu um jeito de me distanciar, de me fazer perder a vontade. Nesse jogo de puxar e manter no mesmo lugar, uma hora eu explodi, vomitei tantas coisas nele, tantas palavras fortes, uma maneira distorcida de fazê-lo ir. E ele foi. Recentemente sumiu das redes sociais, so vejo seu Whatsapp. Só lá ainda vejo aquela foto do dia que ele provou o óculos de armação redonda que eu achei que ficou tão lindo nele.
Tem sido uma constante pensar nele, ele que disse que eu seria a progenitora dele, ele que sonhava em ter uma família e casar. Ele que sempre andava tão alinhado e cheiroso. Ele que tinha aquele anel de São Jorge numa mão, um anel de formatura na outra. Ele que não era forte, nem musculoso, mas sua estrutura larga quando me abraçava fazia eu perder o ar. Ele que tinha aquela barba. Ele, ele, mil vezes ele. Em músicas na rádio, imaginando esbarrar com ele no shopping (e ainda me torturando mentalmente pensando que ele estaria com outra pessoa).
Um dia desses escrevi uma mensagem enorme, contei que estava grávida, falei da saudade, que era mesmo a saudade do bom dia, de falar via virtual que era a única coisa que a gente tinha. A mensagem simplesmente não ia, ficava naquele reloginho de que estava enviando. Horas depois eu mesma deletei.  Tão bobo, me faz tanta falta. Do "bom dia tia Lu"com voz animada no áudio saindo de casa. Esse contato virtual que era motivo de tantas brigas com ele, porque era o seu jeito de manter contato, ele não via a minha necessidade do real. Até das brigas que pareciam de casal mas não eram porque sentimentalmente nós tínhamos uma conexão que não era consumada.
Eu sinto falta dele, mas sinto ainda mais falta do que poderia ter sido, desse filho ter sido dele, porque sei que ele estaria comigo nas consultas. A possibilidade que eu teria de ter uma conexão eterna com ele. Mesmo que fosse só isso.

As vezes bate uma tristeza imensa, uma coisa inexplicável essa coisa de ser mãe solteira, de achar que nunca mais vou ter alguém, de saber que durante muito tempo vou ser eu e a criança, e que sequer cabe arrumar alguém no meio disso. De pensar que a vida acabou aqui, que serei mãe e só, que nunca sequer fui direito namorada de alguém e que agora serei mãe e só. Não que a ideia seja de todo ruim, mas quem é que quer ficar sozinha? Esse ideia de certa forma que me assombra, me dá uma certeza de que é um caminho. E agora sendo mãe e pai, bate essa incerteza e esse medo imenso de não conseguir ter mais ninguém. Bate isso o tempo todo.  Ao mesmo tempo que bate um alento imenso saber que agora eu tenho alguém pra depositar esse amor imenso que eu sempre quis dar pra alguém, alguém pra cuidar, pra dar tudo de mim e que merece esse meu tudo.

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

A fragilidade de uma mulher grávida

Devo dizer que fragilidade sempre foi um palavrão no meu vocabulário. Criada por uma avó que me dizia que a mulher deveria ser independente, fazer de tudo e sempre muito forte, a mulher seria o esteio da família. Sabe aquela história de que homem não chora? Era o que o meu pai me dizia, que eu não deveria chorar, só que eu não sou homem. Então eu cresci sempre acreditando que uma mulher deve ser acima de tudo forte. E isso não foi bom. Mas em algum momento da vida eu teria que encarar isso. Foi quando encontrei o ballet e entendi a delicadeza, a aparência frágil apenas como um jeito de esconder a força, a força estava lá mas então era permitido ser frágil.
Se em alguma fase da vida eu pude usar essa palavra de forma tão forte, nada se compara à agora. Tudo que eu sabia e aplicava na minha vida de repente não tem a certeza que se tinha. Porque a fragilidade agora não é um conceito, é uma sensação. Você sente o seu corpo mais frágil, menos resistente, menos energético. Tudo que eu sabia sobre a vida, sobre como lidar com as coisas, tudo vai por terra. Agora tenho uma vida em minha responsabilidade, ao mesmo tempo que é mágico, é assustador. Saber que qualquer atitude que eu tome agora, desde algo que eu coma até um remédio que eu tome, pode ter consequências irreparáveis pelo resto da vida do meu bebê. E infelizmente as pessoas que estão de fora não conseguem entender. Porque eles sequer conseguem imaginar o medo que a culpa provoca.
Outro ponto muito forte sobre a fragilidade dessa fase são as variações de hormônio. É uma espécie de TPM piorada umas três vezes ao menos. Então o que antes me deixava tocada, agora me faz chorar copiosamente. Olha que nem na minha TPM eu ficava assim tão emotiva. O contrário é tão forte quanto, minha irritabilidade está tão sensível quanto. Se eu já era uma pessoa meio teimosa, agora qualquer abordagem das pessoas de maneira mais forte desperta em mim uma raiva incontrolável. Fora que eu fiquei meio rancorosa, logo eu que sempre fui de passar por cima das coisas tão facilmente. Então estou tomando uma atitude quanto a isso, porque honestamente é desgastante ficar discutindo com as pessoas que na verdade não querem escutar, só a versão delas é a verdadeira. Eu não vou mais discutir, vou fazer como ouvi uma vez uma mulher grávida dizer "ok, quando for o seu filho você aja como quiser, com o meu, faço como eu acho melhor". Parece grosseria, de fato até é. Mas agora, com onze semanas, quase três meses de gestação, eu entendo completamente  o porque disso. Porque nos poupa, porque chega uma hora que a gente cansa. Que a gente quer ficar em paz.
Talvez essa fragilidade toda tenha me trazido essa certa vontade de ficar mais sozinha, de evitar mais o contato social. De fato antes eu era sempre a pessoa que não queria ir embora dos encontros, hoje sempre chega o momento que eu canso, que me bate um cansaço e eu preciso ir. E nunca na vida me senti tão inclinada a respeitar isso.
As pessoas de modo geral não entendem, sequer chegam a pensar nisso dessa forma, mas pra mim é uma daquelas coisas que não são explicáveis, que só sentindo pra saber. Até porque eu posso dizer com toda a certeza do mundo de que antes de engravidar eu não compreendia o quanto engravidar muda a gente. É uma transformação intensa em graus tão diferentes. Me sinto completamente uma pessoa diferente e também sei que a mudança vai continuar, até o final da gestação acho que vou ser outra pessoa bem diferente de agora. Talvez mais ciente da minha fragilidade, talvez mais humana. Com certeza diferente.

domingo, 1 de novembro de 2015

O começo de tudo...

Toda história se inicia em algum lugar. A minha vai começar no começo da história de ser mãe, até porque era algo que eu sempre quis, mas que definitivamente não estava programado pra acontecer agora.
Tudo começa com o acaso. Um cara que eu estava saindo. Como outros tantos que eu conheci na internet. Veja bem, eu saio com caras que conheci na internet deve fazer quase uns dez anos, os caras que conheci na vida geralmente não renderam nada e não sou muito de sair pra pegação. Alias, nunca fui o modelo dos caras na night, então na internet eu conheci muitos. Ele foi só mais um. Saímos, bom papo apesar do corpo gigante do cara (é preconceito, sei, mas até que mesmo apesar das palavras pronunciadas erradas, ele de fato era um entendido de sua área com aspirações policias). Depois de muitas horas de papo, ele me beija, encaixou, foi bom. Ficamos nesse agarro por um bom tempo, fomos pro meu carro pra ficarmos confortáveis. Ficamos de agarro e papo até quase de manhã. Fui pra casa pensativa, tinha sido legal e interessante. No outro dia, queria me ver de novo. Fomos para o  CCBB, noite de meditação da lua cheia, chegamos atrasados, mas ficamos em um momento muito gostoso e intimo deitados e conversando na canga que levei, conversando e trocando ideias e experiências. No outro dia um convite pra ir pra casa dele, ele mora só. Fui, ficamos de agarro e enfim sexo. Acabou o fim de semana e durante a semana toda ficamos de papo, cheio de nomes carinhosos. No outro fim de semana, combinamos de nos ver sexta mas ele cansado e eu também, resolvemos dormir e se ver no outro dia. No outro dia, combinamos de eu ir dormir lá, mas tinha uma maquiagem para fazer, combinei de ir depois. Liguei, mandei zap, liguei de novo. Nada. Liguei de novo. Nada. Depois de muito tentar, resolvi ir pra casa. No outro dia cobrei explicações e um simples "ah eu dormi". Discutimos e pelo jeito, ele não tinha argumentos. Ora, o combinado não simplesmente se desfaz assim, se o começo tá assim a promessa é de piorar. Deixei quieto. No outro dia, nem sinal dele. Durante a semana também não. Na outra sexta lembrei de ter esquecido minha garrafa de água da Camelback lá, liguei e fui buscar. Ele ficou de papinho, tentou contornar, ficou de agarro. Transamos, mas sai de lá com a séria decisão de deletar e não voltar mais. Até ai nenhuma novidade, todas passamos por isso.
Passaram-se duas semanas. Era Domingo. Fiz Yoga de manhã com uma amiga, fui malhar. Durante a minha gostosa corrida na esteira, percebi os seios mais sensíveis que o normal e uma leve pontada na parte baixa do abdômen. Comprei um exame de gravidez. Duas faixas, uma mais clara. Apenas quatro dias de atraso da menstruação. Minha amiga queria pirar dizendo coisas como "não, tá errado", compramos mais dois de marcas diferentes. Fui no banheiro do supermercado embaixo da farmácia. O segundo era o digital que dava até as semanas. O outro dei duas faixas. O digital ligou assim que mergulhei na urina. Aparece um ampulheta. O visor digital então anuncia o resultado "grávida, 2-3 semanas".
Por um minuto sentei no meio fio da rua, enquanto minha amiga me encarava sem saber muito como reagir. Meu mundo caiu, eu não conseguia chorar, eu só me sentia perdida, como se eu estivesse sendo surpreendida pela mensagem mais desnorteante que uma mulher solteira aos 28 anos sem sequer um relacionamento duradouro nas costas pode receber. Eu nunca me senti tão perdida. Peguei o celular e liguei pra ele:
-Alô?
-Quem é?
-É a Luciana.
-Que Luciana?
-Eu, a bailarina.
-Ah, o que você quer?
-Onde você está?
-Bebendo com uns amigos.
-Eu preciso falar com você.
-Tu... tu... tu...
Desligou. Nem sequer sabia quem eu era, devia ter deletado meu celular. Já tava prevendo mais problema. Entrei no zap, ele estava online
-Não queria contar assim, mas você não me dá opção. Acabei de fazer três testes de farmácia, tou gravida, tem mais de dois meses que eu não transo, você foi o último.
-Merda. Tem certeza?
-Tenho, tou atrasada quatro dias.
-Passo já já ai na sua casa.
Fomos eu e minha amiga pra minha casa e por sorte não encontrei ninguém, todo mundo dormindo. Ficamos eu e minha amiga no meu quarto, eu falando mil bobagens tentando me acalmar, imaginando as possibilidades que podiam advir disso. Mandei mil mensagens, ele só apareceu sete de noite, eu tinha ligado era uma da tarde. Decidi falar com ele lá fora, pedi a presença da minha amiga, eu nunca me senti tão frágil e com medo na vida, logo eu.
-Oi olhos bonitos.
-Bom, vamos ao que interessa, eu tou grávida, eu não queria isso. Não sei o que fazer.
-Bom, nós não temos um relacionamento, eu não quero um filho, vou arrumar os comprimidos pra você tirar.
-Ok.
Nessas horas não há muito o que se pensar ou fazer, alguém oferece um meio pra te tirar disso, você só abraça. Ele tinha me contado que bem quando ele entrou na faculdade, ele tinha engravidado a namorada, a criança nasceu mas só viveu 60 dias, morreu de problemas cardíacos. Tinha me dito que ele tinha sido muito grosso com ela. Nem imaginava que ele ia repetir a forma de agir.
-Eu tenho uns contatos, vou conseguir os comprimidos, uns amigos meus fizeram tem pouco tempo, são quatro comprimidos, ok?!
Um abraço, foi embora.
Eu me enfurnei na internet li tudo que seria possível nos próximos quatro dias sobre aborto. Sites, documento da OMS. Português e inglês. Exclui os sites religiosos. Li o que era cientifico e os relatos. Tudo me tranquilizava, as poucas semanas facilitariam o processo. Combinei tudo com ele e minha amiga, iria pra casa dela, ele iria pra lá. Dormiria lá, o processo duraria umas 12 horas. Racionalmente tudo parecia razoável e plausível. Mas emocionalmente, espiritualmente, eu estava confusa. Segunda pela manhã, faço exame particular de sangue de beta hCG. Positivo para três semanas. Pedi sessão com o meu terapeuta. Ele me deu o alivio que eu precisava naquele momento. Mensagens do pai perguntando de estava tudo bem e tudo certo pra tirar. Confirmei.
Terça me pediu pra ir buscar com ele, eu falei que não (Elisa Samúdio mandou alou né, vou pra sei lá onde buscar isso e acabo comida por cachorros? Não, obrigada). Ele que buscasse. O tempo inteiro, eu pensando nisso, eu tentando entender isso tudo. Eu fiquei seriamente confusa. Quarta. Ele confirma de novo, eu digo que ok. Mas ai que eu comecei a pensar muito sobre o lado espiritual disso. Sou budista, fiquei pensando no Karma que eu estaria produzindo. Pensei na casualidade do universo, transei tantas vezes com namorados sem camisinha, porque agora? Fui sentindo que a sensação de confusão vinha daí, meu racional entendia mas meu espiritual e emocional não. Muita reflexão sem conclusão. Quinta. Ele me liga:
-Tudo ok né? Passo na tua casa pra deixar os comprimidos com você.
-Você me entrega e eu vou tomar minha decisão.
-Como assim decisão?
-Meu corpo, eu que decido ué, eu te disse que sua opinião conta mas não decide. Eu decido.
-Você tá querendo me fuder? Tá me achando com cara de palhaço? Quer fuder a minha vida?
-Colega, você acha que só você tá fodido? Eu tou fodida do mesmo jeito. Só que eu que tenho que decidir, essa criança tá na minha barriga, então eu que decido.
Dai a discussão foi piorando. Disse muitas vezes que eu não tava decidida e que o que ele me dizia só me impelia a proteger essa gravidez. Ameaças. De não ajudar financeiramente, de não aparecer. Coisas que os homens acham que pesam, como se nenhuma mulher no mundo tivesse filhos sozinha né? E foi assim pelo dia todo, um assédio moral sem fim, áudios no zap dizendo "tira o problema" e daí pra pior. O dia todo se seguiu assim. Fui pro terapeuta, ele me ajudou a ver que nisso tudo eu tava de alguma forma decidida a ter essa criança, se não, não estaria discutindo com o pai desse jeito. Mas ele afirmou várias vezes que a decisão que eu tomasse, ele apoiaria. As ligações e mensagens com conteúdo pesado continuaram. Foi um desgaste tão grande, tão intenso que ele pediu pra vir me ver e eu disse que não. Bela discurso animador ele me faz né de "tu vai me fuder" depois quer me encontrar? Sei lá se ele ia me bater!! Deitei e apaguei. Sonhei com alguém que anunciava que uma chapeuzinho vermelho estava a caminho. Sei lá o que significa (ainda não sei o sexo então não sei interpretar).
Sexta acordei, todo mundo foi trabalhar, é o dia que eu trabalho mais tarde. Todo mundo menos mamãe. Ensaiei, entrei e sai do quarto dela umas cinco vezes. Enfim, sentei e contei. Quer dizer, tentei falar:
-Mãe, quero falar com você.
-Peraí que eu tou digitando uma mensagem.
Espero. Os segundos mais excruciantes da vida, coração batia forte no pescoço, parecia querer saltar pela boca.
-Tá, me conta.
-Eu não sei como contar.
-Você tá gravida?
-Tou.
-É, tem semanas que eu tenho sonhado com criança, mas como a minha colega de trabalho ficou grávida achei que era ela. Que bom filha, filho é benção. Não queria que você tirasse.
Daí, contei tudo, a tortura psicológica que ele me fez, tudo desde o começo.
-Ok, agora vá trabalhar que eu vou pensar nisso.
Fui trabalhar sentindo um alívio imenso. Ela me disse que ia chamar meu pai pra almoçar fora pra contar. Mas nesse meio contou pra todo mundo de casa, pra empregada, pros meus tios que estavam ficando aqui por causa de uma reforma na casa deles. Quando cheguei pra almoçar minha tia me deu um abraço com gritinhos esfuziantes de parabéns. Parabéns? Parabéns por que? Ai me bateu que apesar de tudo isso, desse processo todo imenso e doloroso, que uma criança ia vir, que era uma coisa boa. Eu sempre quis um filho, podia não ser do jeito que imaginava mas aconteceu. Era algo que eu queria. Talvez não agora, mas não existe momento perfeito. As coisas acontecem quando devem acontecer, foi assim com tudo na minha vida. Com o ballet. Com o meu emagrecimento. As grandes coisas que eu fiz e encontrei aconteceram quando tiveram que acontecer, por que agora seria diferente?
Mamãe contou pro papai, ele nem dormiu a noite. Logo ele que vivia dizendo que não ia ser avô, que eu não ia casar. E eu sempre disse que podia não casar, mas que filho eu ia ter. Aconteceu né?
Ela também pediu o telefone do cara. Ligou pra ele, pediu pra ele não me procurar mais, que eu precisava de tranquilidade, de paz. Ele teve a coragem de dizer que foi uma aventura, que eu conhecia meu corpo (oi, o que isso significa? Que uma mulher escolhe engravidar?) e que não tinha sentimento nenhum nem por mim, nem pela criança. Mamãe apenas disse que eu tinha estrutura familiar, financeira e espiritual e que não precisava dele. E que se ele quisesse qualquer contato, que procurasse ela. Foi o maior alivio no meio disso tudo. Eu precisava de fato de paz.

Foi assim, um começo confuso. É a única palavra que consigo usar no meio disso tudo. Eu não imaginava que a gravidez fosse essa transformação tão intensa. Eu choro,  muito fácil. Escrever isso me custou uns bons mLs de lágrimas. E de uma maneira tão dolorida, não é apenas emoção, é como se tudo pudesse mover as emoções mais fortes. Assim também fico irritada, quase histérica com algumas coisas.
Infelizmente, meu lado pisciana gostaria que o começo estivesse ligado em alguma história de amor, que o filho fosse o fruto de o amor entre dois. Mas mesmo sendo tão romântica, o romance só foi o meu forte em livros, nunca na vida real. Acho que é fruto do amor de um, um que desejou, e sonhou e quis muito ter um filho na vida. Foi sempre um dos sonhos mais fortes durante a minha vida inteira. Eu quis tanto que a vida deu um jeito de me dar. E eu só posso agradecer, só posso aceitar esse presente e saber que é sim um presente. Inesperado, mas nem por isso as surpresas são menos valorosas por isso. Minha tia me disse que no espiritismo, o espirito da criança escolhe a mãe. Eu achei isso a coisa mais bonita que uma mãe solteira pode ouvir. Essa criança me escolheu não só pra que eu seja mãe dela, mas que eu seja o pai, a família, o amor. Ela não escolheu uma família de dois, ela me escolheu pra ser a família de um. E isso só pode ser uma benção imensa.
Eu acredito de forma muito forte que eu tenho essa visão, mas que a decisão de manter ou não uma gravidez tem que ser da mãe. É dela o ônus todo. Os problemas, as noites sem dormir, as idas em hospital. Tem que ser dela a decisão. E se ela decide em tirar, acho que é justo e certo. Ninguém deveria julgar. Porque não se pode decidir pela vida de outra pessoa. Só ela sabe. E é o corpo dela. A vida dela. Acredite, o corpo muda por inteiro. Tudo muda, a cabeça da gente muda. E é uma puta responsabilidade. Não é só botar no mundo, é criar, é ensinar, é dar valores, é tanta coisa. E se ela não quiser, eu acho que ninguém mais que ela pode decidir isso. Li muitos relatos, gente dando força pra quem quisesse tirar. Achei bonito. Porque qualquer decisão que se escolha, seja manter ou tirar, tem um ônus. E é um ônus que só a mulher vive. Não é o corpo do pai da criança que sofre e que vai sofrer com qualquer escolha. Ele pode até sofrer como acho que sofre de fato, mas muitos pais mais fizeram seu aborto, sumiram. É assim que mil crianças pais afora foram abortados pelos pais, homens que decidiram sumir. Tão mais fácil e indolor, esse tipo de aborto é permitido e feito todos os dias. Mas o aborto de uma mulher é um ato criminoso, muitas morrem em clinicas, outras sofrem com hemorragias. Para a mulher, o aborto é um ato físico. Deveria ser uma decisão só dela e permitida. E mesmo que se mudem leis, como a que o Eduardo Cunha propõe, clinicas clandestinas e o mercado ilegal de drogas abortivas vão continuar funcionando. Só vão ficar mais caros. Quem vai sofrer mais é a mulher pobre.

Cá estou eu, 10 semanas e 4 dias. Em frente desse pc vomitando esse tanto de coisa que eu desejo colocar aqui pra aliviar a mente, regurgitar esse tanto de sentimento. Porque eu acho que se tornar mãe é um processo biológico que resulta em um processo psicológico. O corpo vai mudando, de repente dá pra sentir uma lombada no pé da barriga, de repente tem uma fome e uma azia. Banheiro nem se fala, nunca fiz tanto xixi na vida. E ai você começa a processar que tem essa vida aqui dentro, dividindo tudo que eu como, experimentando tudo que eu sinto. Tem essa simbiose, esse compartilhamento. De repente eu me sinto esse ser que está cansada boa parte do tempo com bem menos atividades que eu fazia antes, porque estou criando cérebro, fígado, rins, um corpo todo novo e cheio de processos que eu cansei de estudar na faculdade de biologia. De repente eu me sinto um ser meio divino que tem essa capacidade mágica de criar uma outra vida. De repente você entende que ser mãe é um sentimento, é uma escolha, é um novo caminho.
Com certeza, ser mãe é um novo começo.